sábado, 16 de maio de 2009

"A mídia não pode ter dono"

"O grande problema no Brasil é que a mídia tem dono, e não pode." A análise é do professor-doutor Pedrinho Guareschi, formado em Filosofia, Teologia, Letras e Sociologia, palestrante de abertura da Pré-Conferência Regional Sul de Comunicação promovida pela CUT/SC, de 13 a 15 de maio, na Escola Sul em Florianópolis, e que teve como tema "Comunicação e Transformação Social". O Encontro integra uma série de eventos preparativos às conferências regionais e estadual de Comunicação que devem acontecer no estado no decorrer do ano e reuniu aproximadamente 80 dirigentes sindicais cutistas, diretores de comunicação das entidades sindicais, jornalistas e professores dos três estados do sul. A 1ª Conferência Nacional de Comunicação acontece de 1º a 3 de dezembro, em Brasília, com o tema "Comunicação: direito e cidadania na era digital". "Vai ser uma briga medonha", antecipa Guareschi.

Pedrinho Guareschi reforça que o controle da mídia é contra a Constituição Brasileira, porque "a comunicação é um serviço público, não admitindo monopólios e oligopólios. A Rede Globo, a RBS, por exemplo, são do povo, têm 15 anos de concessão para prestar serviço de utilidade pública. Infelizmente, a sociedade não se dá conta de que a comunicação é muito importante e não pode ficar nas mãos de meia dúzia de famílias", afirma o teólogo, defensor da implantação do Conselho Federal de Jornalismo: "Seria uma solução, a exemplo da Psicologia, dos economistas, dos advogados (através da OAB), cada qual se vigia, mas o único que não pode fazer isso é o jornalista, porque ele tem dono e os donos da mídia não querem o Conselho Federal de Jornalismo". Guareschi defende a profissão - "alguém tem que estudar, é provocado para isso", destaca - e convoca os demais setores da sociedade para que façam o mesmo.

Queremos rever as concessões

José Sóter, coordenador executivo da Abraço (Associação Brasileira de Radiodifusão Comunitária), foi o segundo palestrante da Pré-Conferência e relembrou meados da década de 70, quando a maioria absoluta dos cinco mil municípios não tinha meios de comunicação: "Os meios de comunicação eram limitados a poucos orelhões (telefones públicos), daí a experiência de rádios-poste, a comunicação direta com a população", exemplificou. "No novo milênio o país está cambiado com fibra ótica, surgiram inúmeros instrumentos de comunicação (internet banda larga, rádio web...), que atingem todos os lares, hoje podemos ter voz, sermos produtores de conteúdo", afirmou. O palestrante criticou que "em nenhum momento, em todo esse tempo, se discutiu a propriedade da mídia no Brasil, ou seja, como fazer para que nossa voz seja ouvida". Como exemplo, cita que "a legislação sobre televisão, que proíbe rede em mais de cinco estados e, no entanto, só a Globo é captada em 5.600 municípios brasileiros. Secretário geral do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), Sóter defende que se cumpra a legislação, para que "artistas, jornalistas, os próprios conteúdos da mídia reflitam a identidade regional, o nosso meio".

Por que nunca se cassou um meio de comunicação no Brasil? "Porque dois terços do Congresso Nacional precisam aprovar a cassação", respondeu o coordenador da Abraço. Nada menos de 178 deputados federais são donos dos meios de comunicação. Ele contou que a Associação ingressou com Ação judicial solicitando cassação de uma rádio do Rio Grande do Sul, cuja concessão havia vencido: "O Ministério Público consultou a Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações) e a resposta foi negativa, sob alegação de que traria grande prejuízo à sociedade se a rádio fechasse". Em contrapartida, denunciou, "as rádios comunitárias são consideradas piratas". Sóter insiste que é necessário rediscutir as concessões, caso contrário, o monopólio vai continuar. "É preciso abrir licitação de novo para termos os nossos canais e atuarmos no viés da luta de classes, assumindo a contra-informação. Não vamos brigar por espaço na mídia tradicional, muito menos compartilhar com ela as nossas lutas".

Burguesia reacionária e mídia golpista

A democracia da comunicação é um processo em curso, na opinião do professor da USP, Bernardo Kucinski, outro palestrante da pré-conferência. Doutor em Ciências da Comunicação, Kucinski analisa que "vivemos uma profunda revolução, ainda em curso, uma nova ambiência e novas formas de relacionamento. Os jornais impressos estão em declínio, o que antes era a indústria de capital intensivo, hoje é notícia obsoleta. Este negócio (jornal) de derrubar árvores, imprimir, distribuir não tem lógica, nem mercantil, nem informativa, nem ecológica. Por perderem caráter informativo, os jornais tornaram-se mais ideológicos e perderam leitores". Bernardo Kucinski denunciou que o Brasil "possui uma burguesia que não gosta do seu povo e uma mídia golpista, que se apropria do Estado e não permite que os meios de comunicação caiam nas mãos da sociedade, ou seja, no limite, prepara o golpe".

Ex-assessor Especial da Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República, Kucinski criticou o PT e a própria CUT por não fazerem a comunicação estratégica, "devido às facções internas, aos projetos em disputa". Por isso, ele considera que "o problema não está na burguesia, mas dentro de nós". Para o palestrante, o governo Lula, "nosso governo", fez um pacto estratégico com o capital financeiro, em outras palavras, "ganhamos a eleição, mas não ganhamos a hegemonia". O que cobrar do governo? Na visão de Bernardo Kucinski, é preciso cobrar "o recadastramento das concessões a empresas de comunicação, com aplicação da lei antimonopólios; regularizar as concessões, cancelar muitas; instituir um Plano Nacional de Aplicação das verbas públicas de propaganda, especialmente no processo digital; mudar a política para as rádios comunitárias; reforçar o sistema público de TV; reconstruir o sistema de comunicação estatal; promulgar uma nova lei de imprensa". Tudo isso tendo como questão de fundo "a democratização do próprio estado". Para ele, a Fenaj e os Sindicatos de Jornalistas são fundamentais nesse processo.

Controle social da comunicação

Comunicação e Terra são dois setores do país que ainda não foram democratizados, reforçou o diretor da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), José Torves. Cita como exemplo a repressão sobre as rádios comunitárias - "é a criminalização dos movimentos sociais, com apreensão de equipamentos e por orientação do próprio governo", disse -, insistindo que "é preciso qualificar os movimentos sindical e social para o debate sobre a concentração da mídia". Torves quer ver, na Conferência de Comunicação, uma mobilização a exemplo de outras conferências (como de Saúde, Educação...). "Temos que usar a tecnologia digital a nosso favor, garantir a universalização do acesso à internet, o controle sobre verbas publicitárias (o veículo Jornal abocanha 15%), estabelecer uma política pública de comunicação para jornais alternativos e rádios comunitárias", defendeu Torves, ex-presidente do Sindicato dos Jornalistas do RS.

Preparação da CUT para o debate

A Pré-Conferência Regional Sul de Comunicação teve o objetivo de preparar os dirigentes cutistas para interferirem na Conferência Nacional de Comunicação, grande tema para o projeto de transformação da sociedade. A secretária de Comunicação da CUT nacional, Rosane Bertotti, acrescenta que a pré-conferência foi a primeira de uma série de 266 debates nos estados, até culminar com o Encontro Nacional de Comunicação da CUT, de 8 a 10 de julho, de onde serão tiradas as propostas a serem defendidas na Nacional, em dezembro. O assunto também será debatido no Congresso Nacional da CUT, marcado para os dias 3 a 8 de agosto. "A Comissão Nacional Pró-Conferência foi criada mas sequer se reuniu para organizar a Conferência, precisamos pressionar ainda para que ocorram as conferências regionais e estaduais. A comunicação é estratégica na disputa da hegemonia, por isso, a CUT tirou dois debates prioritários neste momento: a crise financeira (necessidade do controle social da produção) e a democracia na comunicação", adiantou Rosane.

Outras atividades rumo à Conferência

Dia 20 de maio, às 19 horas, acontece em Florianópolis, no mini-auditório da Fecesc (avenida Mauro Ramos,1624), a primeira oficina Pró-Conferência Nacional de Comunicação. O Sindicato dos Jornalistas de SC é um dos promotores. Já no dia 21 está sendo organizada Audiência Pública sobre a Conferência, das 9h às 12h, na Assembléia Legislativa. O evento foi convocado pelo Comitê Estadual Pela Democratização da Comunicação, do qual o Sindicato dos Jornalistas de SC faz parte.

Agência INFORMA informaeditora@terra.com.br

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